O que Toronto e Itu têm em comum?

No post anterior, eu comentei que "Toronto é uma grande cidade do interior". O Daniduc logo comentou:

E Amsterdam é uma pequena cidade do interior. Ha, sério, rachei o bico porque a gente sempre fala isso daqui (às vezes resmungando, por exemplo, Dark Knight estreou aqui depois de São Paulo).

Essa é uma das generalizações ligeiramente maldosas do Rafa Salsa para a qual temos que tirar o chapéu. Lembro que essa me marcou, pois o Rafa declarou, com aquele jeito meio dramático dele, assim que pisamos na nossa nova cidade: "Vocês vão ver só: isso aqui é uma roça desenvolvida."

Lembro que fiquei meio chocada. O Gustavo já tinha visitado rapidamente a cidade e tinha adorado, e estávamos vindo de mala e cuia, naquela expectativa de ver como será a vida em um lugar verdadeiramente civilizado e avançado. Tentei jogar essa idéia meio pra baixo do tapete.

Mas quanto mais conhecemos a vida aqui, mais temos que concordar. O mesmo aspecto agradável da vida em comunidade que existe aqui, em que todo mundo se conhece, as pessoas se ajudam e para tudo dá-se um jeitinho camarada, colocando-se o bom senso acima da burocracia, faz com que muita coisa seja meio (ou muito) antiquada.

Nem doidos que no Brasil nós alugaríamos uma casa com base em uma (1) folha de papel xerocada, meio escrita à mão, onde informa-se vagamente o valor a ser pago, fazendo as vezes de contrato. Mas é assim que estamos vivendo, e muito bem, obrigado.

Os trens e bondes seguem horários, mas sabe como é, às vezes eles avisam que têm que mudar de rumo e largam as pessoas na rua. Não que ninguém reclame.

Mas o que mais nos chama a atenção -- e até incomoda -- é o mal uso que se dá aos serviços pela internet, por exemplo. Nas grandes cidades do Brasil, até o hortifruti da esquina recebe pedidos pela internet. Toronto é a maior cidade do Canadá, mas são muitas as lojas que sequer têm site. A Amazon canadense é uma piada de mal gosto: o estoque tem 1/100 dos itens da Amazon.com e em geral são mais caros. A Ikea, onde compramos quase todos os móveis, também tem um catálogo completo, incluindo o estoque exato, atualizado em tempo real, de cada item em cada loja -- assim você decide melhor para que loja ir com mais chance de conseguir comprar o móvel que você quer e carregar você mesmo o trambolho para casa. (A Ikea faz algumas vendas online sim, mas o estoque é muito limitado e os preços dos fretes são insanos.) O megasupermercado aqui perto tem um site completo, com o catálogo todo. Mas não vende nada online. O único serviço pedido pela internet é entrega de flores.

Isso não entra na nossa cabeça. No inverno, saem as velhinhas nos andadores, atravessando o frio glacial, para comprar uma lata de sopa e voltar para casa. Tá, a velhinha não tem internet, mas o filho dela pode ter, né?

Outra é a moda e o estilo que é considerado "cool" aqui. Basta uma palavra: mullet. Sim. Tem uns branquelinhos marrentos que parecem lenhadores que ficaram sem emprego: andam pela cidade de camisa de flanela, calça jeans ou moletom, com o clássico corte de cabelo, um cigarro numa mão e um copo de Tim Hortons na outra. E andam "se achando". Outros furam o escapamento do carro para fazer aquele barulho "animal", mesmo andando a 40 km/h e parando a cada esquina, como manda a lei. E agora no verão há bandos de homens e mulheres atravessando a cidade naquelas motoconas choppers e afins, com direito a labaredas pintadas e as maiores cafonices. Param nos pontos-chave (na frente do Hard Rock Café, por exemplo) e ficam lá se exibindo com as namoradas popozudas.

A gente sente como se estivéssemos numa paródia de De volta para o futuro ou A garota de rosa choque, mas eles não: eles estão no ápice da moda.

E os negros paramentados ao estilo rapper, que sentam no metrô com aqueles celulares minúsculos da Walkmen, põem o som "alto" e seguram o telefone na altura do ouvido, sacudindo a cabeça como se fazia nos anos 80 com aquelas boom boxes imensas? Juro, parece pegadinha.

Aí a última do Rafa* foi essa aqui, mas não me lembro exatamente qual foi o motivo que gerou a comparação:

Isso aqui é Itu. Tiram uma onda de que aqui tem a maior [alguma coisa] do mundo, a [outra coisa] mais alta do mundo, a [sei lá o quê] mais incrível das Américas, mas, quando você vai ver, é só uma cidadezinha caipira cafona.

*As palavras podem não ter sido exatamente essas, mas Rafa, confirme se não foi por aí. E ah, estou publicando palavras suas aqui sem nem perguntar... não tem problema, né? ;^)

Comentários

Daniduc disse…
Olás!

Que post legal! Estou pra escrever um posto sobre a imagem que nós tinhamos de "morar na Europa, OOOHH" e o que efetivamente encontramos aqui e sobe esse lance de "cidade do interior". Quando fizer, mando trackback pra cá :)

Infelizmente tenho que desligar agora (já devia ter, aliás), e não vou conseguir elaborar um comentário pro seu post, mas eu gostei dele :)

Abraços proceis (e pro Rafa e Erika :)
Valeu, Dani.
Abraços pra vocês também!
Anônimo disse…
A coisa do Mullet, me diz uma coisa, o seu uso nao foi banido pela ONU, junto com a utilizacao de tortura e a pena de morte por enforcamento?
Claro que foi, Barts! Junto com a tortura e o enforcamento. Agora me diz: essas práticas pararam só porque a ONU baniu?

Moral da história: acho que o mullet faz parte do instinto assassino básico do çerumano enquanto pessoa da raça animal.

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