Como se sentir uma anta

Eu me viro muito bem em inglês. Em conversas razoavelmente formais, melhor. Em bate-papos informais volta e meia falta um jeito mais natural de dizer algo corriqueiro, mas sem chegar a haver falhas na comunicação.

Mas descobri duas receitas infalíveis para a gente se sentir uma anta em inglês (isto é, se sentir um "tapir" -- pronunciado [têiper]).

Na primeira eu caí assim que cheguei, mas pelo menos é evitável (sim, passei a evitá-la pouco tempo depois). Logo descobri que o The Star traz palavras-cruzadas que dá para fazer online, e o Metro, um jornalzinho grátis, também traz palavras-cruzadas. Toda faceira, decidi brincar de palavras-cruzadas em inglês. Pronto. Se resolvo 20% daquela joça é muito, e as que eu acerto sempre são perguntas sobre algum assunto de cultura geral, um deus grego, a capital de não sei onde. Nas perguntas sobre atualidades, personalidades, TV e essas coisas eu não me importo de não saber, mas a maioria das palavras-cruzadas se compõem de questões metalingüísticas, como sinônimos, preencher a lacuna de uma expressão idiomática, dizer certa coisa de outra forma, qualificar a ação de fazer algo, etc. E o pior é ver a solução no final e descobrir que você realmente não sabe nada daquilo, quer dizer, não foi apenas uma distração. Aí você vê a diferença entre alguém que se comunica perfeitamente bem em um ambiente acadêmico e alguém que realmente é nativo.

A outra não dá para evitar: é no cabeleireiro. Ô troço difícil cortar o cabelo em inglês! Sim, você pode mandar só aparar as pontas, tipo "Just trim it a little bit". Mas eu NUNCA quero só aparar as pontas. Se eu vou ao cabeleireiro, é para fazer algo de novo. Particularmente, hoje eu queria manter o comprimento mas nivelar o corte atrás, tirar um pouco da frente para não ficar caindo no rosto, mas sem fazer franja, e fazer o acabamento em camadinhas, para o cabelo não cair todo reto, senão faz um volume esquisito dos lados e atrás. Pronto. Virei anta de novo. E, no caso do cabeleireiro no qual eu vou aqui perto de casa, a situação fica ainda mais complicada, porque é um cabeleireiro-escola. A moça de hoje era bem inexperiente, e quando eu comecei a falar nos "layers" ela meio que travou e foi chamar a professora para perguntar o que tinha que fazer. Tudo bem, eu me fiz entender e ficou como eu queria, mas foi mais na base da mímica, pegando umas mechas e mostrando o que eu queria, do que através da comunicação verbal. E, sinceramente, eu me sinto ridícula tendo que fazer mímica para estudantes de cabeleireiro.

E nem me faça comprar utensílios de cozinha... Outro dia o Gustavo e eu fizemos muita mímica para descrever as funções de uma espátula de borracha, após as quais a vendedora perguntou: "You mean a spatula?" Dããããã! Mas não vá me dizer que você pediria um "rolling pin" esperando encontrar um rolo de macarrão. Eu não pedi nada, porque nem saberia por onde começar. Simplesmente procurei o rolo pela loja toda, e quando achei fui conferir o nome. Que idéia de jerico chamar rolo de macarrão de "rolling pin!" "Pin" é "prego"! Eu esperava no mínimo um "dough" ou "pasta" alguma coisa. O pior é que eu provavelmente só vou precisar de um novo rolo de macarrão daqui a uns 20 anos, e até lá eu já vou ter esquecido do "rolling pin".

Ok, há mais de duas maneiras de se sentir um anta...

Comentários

Anônimo disse…
Você está me provocando... está sim... está querendo que eu conte de novo a história da ferramenta que serve para soltar parafusos?
Ou então aquela do faisão assado...
Também tem a do "café da manhã no andar térreo"!
Sobre se sentir uma anta em terra estrangeira, tá falando com a própria!
Anônimo disse…
Eh o Tom:
Hehehe - o cabelereiro/barbeiro eh realmente um lugar interessante. Ate hoje eu ainda luto com isso, ate achar uma pessoa que corte relativamente bem meu cabelo (crespo, nunca viram na vida aqui). Assim que acho alguem, o negocio eh torcer para cortarem certo... depois eh soh na base do "same as last time".
Isso porque estou aqui ha 13 anos... mas confesso que nao fico fazendo pesquisa nos termos necessarios para a ciencia do corte de cabelo...
Tom
Pablo Cardellino disse…
Ihh, Carol, cansei de passar por situações como a de "spatula" no Brasil! ^^ Queria saber como chamava... sei lá... "código", daí ia tentando descrever o troço "como é que fala uma série de letras ou números que serve para identificar outra coisa" etc., daí quando com custo a Sela dizia "código" eu ficava até com vergonha de falar como é em espanhol :-P
Unknown disse…
Eu já desisti de explicar. Deixo cortar do jeito que querem e depois vai crescer tudo de novo
Daniduc disse…
Oxi! É o daniduc, do ducs em amsterdam! Rola geral esse lance de tapir feeling em inglês quando se mora em pais estrangeiro, mas alguns de nós suspiram pelo privilégio d tapizar em inglês... ô lingua do... da... hã... difícil que é holandes. Eu fui cortar o cabelo, escolhi um salão lá mais barato e fui cheio de confiança, afinaaaal, toOOOOooodo mundo fala inglês na holanda. Ahã. Nem todos, descubro nessas horas de dificuldade. Sigh. Deus abençoe a mímica (e minha determinação em manter o mesmo corte gurizinho curtinho que deve ser ensinado na aula 1 das escolas de cabelereiro e venho usando ha anos).
Oi, Dani.
Tá, mas poxa, na Holanda acho que o "handicap" para você se sentir uma anta é umas 10 vezes maior do que num país cuja língua você supostamente domina.
Mesmo assim, para os homens é mais fácil, eu acho. Quando eu fui cortar o cabelo, o primeiro que a moça disse foi: "É só aparar as pontas?" É claro que bastava eu dizer "sim" e estaria tudo resolvido, mas não, eu tinha que inventar um repicado...

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