Condições normais de trabalho (reflexão)

Ontem acordei às 7h, para estar às 9h pronta e bem disposta para minha primeira aula de spinning. Cinco minutos antes, estavam lá outros 5 ou 6 alunos e a professora chegou. Abriu o armário onde fica o equipamento de som e, ultrajada, nos comunicou que na noite passada alguém tinha roubado o equipamento. Todos os alunos -- eu inclusive, é claro -- se mostraram revoltados com o fato. Bastante alterada, a professora pediu desculpas e disse que, sem som, ela não dava aula. Impossível. E saiu do salão.

Fui pegar meu walkman e fiz sozinha minha série habitual de musculação.

Fiquei pensando: pelo visto, essa professora acha que fazer uma aula sem as condições ideais é pior do que não fazer aula alguma.

Isso por um lado é bom, pois significa que o grau de exigência dos profissionais é alto: é viável dar aula em condições ideais, então eles batem o pé até disporem dessas condições. Se não for assim, cruzam os braços até que suas exigências sejam atendidas. De forma semelhante, os habitantes de Toronto vivem alarmados com a quantidade de furtos de bicicletas e com a condição do ar, que segundo eles estão atingindo níveis intoleráveis. Aos nossos olhos, isso chega a ser risível comparado com o que nós vivemos no Rio e em São Paulo, onde chega a ser um alívio termos uma bicicleta furtada em comparação com outras formas de violência a que estamos sujeitos e onde o ar é realmente tóxico -- aqui, para os nossos padrões, o ar é puríssimo, mesmo no centro da cidade. Mas é um alívio ver que as pessoas reclamam e se mobilizam muito antes da situação se tornar grave ou irreversível, não ficando em silêncio nem se deixando acomodar.

Por outro lado, bom, é uma postura um tanto quanto desrespeitosa para com os alunos, que pagaram e foram até lá esperando uma aula. De fato, dois alunos munidos de walkmans ficaram pedalando por conta própria. No Brasil -- e na América Latina, de modo geral -- estamos tão habituados a trabalhar e dar aula em condições muito longe do ideal que jamais cogitaríamos cruzar os braços só porque algo está fora de lugar. Chega a ser difícil lembrar de situações em que as condições se aproximam do ideal. Em compensação, quantas vezes falta giz, o pilot está velho, o equipamento audiovisual não funciona direito, o técnico esqueceu de instalar o software necessário para a aula, os alunos precisam dividir uma mesa ou um computador, o sol bate nos monitores, o ar condicionado pifou... Acho que, na nossa cabeça, o ideal é mais uma meta ilusória do que uma realidade factível, e alunos e professores têm um bom grau de tolerância e versatilidade para fazer o possível dadas as condições existentes.

É ótimo constatar que aqui as pessoas exigem o melhor para exercer seu trabalho. Mas é um pouco estranho constatar que alguns simplesmente surtam ao se deparar com um imprevisto.

Comentários

Postagens mais visitadas